Existe há muito tempo o fenômeno dos estudantes que não estudam. Provavelmente isso começou ou acentuou-se com o início da industrialização, quando as salas de aulas começaram a ser espaços de controle de tempos e movimentos, antecipando-se ao taylorismo nas fábricas.
Os dias de "prova" nas universidades me parecem uma caricatura do taylorismo: afastam-se as mesas e cadeiras para que cada um fique bem isolado dos demais, para que possa ser controlado desde o alto (o olhar do professor, que fica de pé), como num sistema prisional e totalitário.
A instituição da "prova" acaba condicionando todo o restante das atividades curriculares. Tudo vai desembocar naquele dia, portanto cada palavra do professor e cada reação dos "alunos" (que por definição não são estudantes, apenas recipientes de conhecimentos, como bebês lactentes) tende a ser uma preparação para aquele grande dia.
Há muito tempo que, enquanto professor, eu digo aos "estudantes" universitários que eles não estão mais no segundo grau e que portanto não precisam ser apenas consumidores de conhecimentos prontos, enlatados, simplificados, mastigados pelo professor e apresentados em fragmentos, devidamente quantificados.
Digo que é possível e necessária a reorganização dos conhecimentos, por meio da síntese, da comparação e da interpretação. Digo também que não há uma "interpretação correta", mas uma interpretação bem elaborada, consistente, se possível criativa, original. Digo que nenhum professor é dono da verdade e que não é papel do professor entregar-lhes as interpretações supostamente inquestionáveis, mas justamente estimulá-los a buscar suas próprias interpretações e capacidade de autonomia reflexiva, com maturidade. Tenho chamado isso de "metacognição". No início de cada semestre entrego a todos alguns slides sobre isso e solicito que avaliem a metodologia metacognitiva. Também apresento a todos uma tabela de autoavaliação, com 6 critérios e textos associados, que deverão ser lidos ao longo do semestre, etc. Enfim, as avaliações que faço de cada um passam pela metacognição e também pela autoavaliação de cada estudante. Procuro assim estimular que deixem a passividade de "alunos" e assumam a condição de "estudantes" responsáveis.
O escolar sistema atual pressupõe uma desmoralização dos "estudantes" na forma de "alunos", uma constante (mesmo que silenciosa) ameaça do professor, que é assim um potencial juiz punitivo, um policial, qualquer coisa do gênero, menos um "educador".
A industrialização da educação transformou as escolas em organizações gerenciadas e diluiu a educação em disciplinas também gerenciadas, confundidas com as partes do sistema. De tanto o sistema produtivo cobrar das escolas que lhes forneçam pessoal preparado para trabalhar nas empresas, todo o sistema escolar acabou imitando o sistema fabril, industrial. Os egressos das escolas tendem a pensar e sentir de forma semelhante, em padrões conformados ao status quo. Sem criatividade. Sem reflexividade. Sem capacidade transformadora. E muitas vezes também sem responsabilidade e sem maturidade.
Depois o empresariado ainda afirma que a instituição escolar não prepara adequadamente profissionais para assumir riscos e responsabilidades. O ensino bacharelesco predominante no Brasil, o ensino das aulas-palestras em que os professores adoram ouvir suas próprias vozes e cobrar respostas simplificadas segundo os "gabaritos" das "provas" -- tal sistema de ensino com baixíssimo grau de aprendizado tem parcela de responsabilidade pela formação desse "capitalismo de compadrio" e por tantos empresários que optam por enriquecer por meio da malandragem.
O que nós, professores, podemos e devemos fazer?
Primeiro, evitar a continuidade desse sistema esclerosado. Debater sobre alternativas. Não vai ser fácil, com certeza, mas continuar como está é conformar-se como aqueles tripulantes do Titanic que ouviam violino enquanto a água tomava conta do navio.