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Política pública de combate à COVID-19

Foto do escritor: Sérgio Luís BoeiraSérgio Luís Boeira

Recentemente fiquei até madrugada lendo 16 resumos dos primeiros 81 artigos que encontrei no Scielo (https://www.scielo.br/) com o termo "homeopatia". Fiz isso porque a bióloga Natália Pasternak (USP) falou no Roda Viva que "homeopatia não funciona". Comecei a tirar a limpo essa história de "ciência com base em evidências" (ela tem um instituto que faz sucesso com base nisso). Nos 16 artigos iniciais 12 são conclusivos: homeopatia funciona. E as experiências foram feitas em animais e vegetais. Apenas um diz que não funciona, outros são indefinidos e um não se aplica. É na realidade um ramo da pesquisa que favorece um projeto de sociedade sustentável (ecológica, social e economicamente, etc), com controle biológico de "pragas", redução de ingesta de produtos da indústria química na agricultura e veterinária, etc. Homeopatia passou a ser um assunto bem sério para mim em meados da década de 1990, quando eu namorava uma médica homeopata e conversávamos muito sobre isso. Meu interesse na história da saúde vem da década de 1980, quando fiz minha dissertação sobre o modo de vida da juventude universitária, relacionando saúde e poder.


Agora, no contexto da pandemia, vejo que está havendo uma confusão de processos distintos de fazer ciência além do pandemônio que estimula o confronto entre negacionistas e ciência biomédica. Por um lado, há confusão, por outro o confronto (disjunção e simplificação). Este último caso é bem evidente: Bolsonaro e sua turma de negacionistas dogmáticos seguem a tese simplista de Osmar Terra, do contágio inevitável da maioria da população, apostando na história natural da doença e na salvação pelos anticorpos de uma maioria. É uma grande irresponsabilidade como política pública, pois desconsidera tanto o sofrimento humano, o risco de saturação dos sistemas de atendimento e o crime que isso implica. De sua parte, médicos juram fazer tudo o que podem para salvar vidas e os melhores têm vocação quanto a cuidar dos outros, com grande dedicação. Já Mandetta, que Bolsonaro não ouvia, fazia o papel do homem público e médico que ouvia os seus pares, as entidades civis do setor de saúde, especialmente a OMS. Mas todos estão aprendendo e eles também mudaram de posição algumas vezes, como no caso da recomendação de uso de máscara. O pensamento indutivo de Mandetta se contrapunha ao pensamento dedutivo de Terra. Bolsonaro, que mal sabe ler um gráfico, só ampliava e continua ampliando a simplificação. A sua irresponsabilidade criminosa ficará na história.


Agora, há um outro aspecto que eu gostaria de ressaltar. É o da confusão entre o discurso dominante da indústria farmacêutica (baseado em pesquisa laboratorial) e o dos médicos e enfermeiros da linha de frente do combate à Covid 19. Evidentemente a indústria farmacêutica está em busca de uma vacina e de seus lucros. São pelo menos 140 vacinas em teste. O processo implica, como sabemos, uma linha de produção que vai dos testes in vitro com partes do novo coronavírus, passa pelos testes em ratos, depois em macacos e só depois em humanos. Implica em testes com grupo de controle (que toma apenas placebo) e outro que realmente toma a vacina, sem saber se é vacina ou placebo. Pelo que se tem visto no noticiário, o governo de SP fez um acordo com a China e o governo federal fez um acordo com a Inglaterra. No mais otimista dos cenários teremos as primeiras doses de vacina em dezembro deste ano ou janeiro de 2021. Seria um recorde em termos de prazo. Mas não há garantia nenhuma de que as vacinas funcionarão mesmo. É uma aposta, com diferentes estratégias, mais convencionais (caso da China) e mais inovadora (caso da Inglaterra). Em todo caso faz parte das duas estratégias uma comunicação pública de que a resposta à Covid 19 só virá dos laboratórios. Lembremos que "laboratório" significa local isolado. O paradigma disjuntor-redutor é amplamente dominante na OMS, conforme mostrei na minha tese sobre a indústria de tabaco. Mas assim mesmo tem meu apoio, como parte de políticas públicas de combate ao enfoque da indústria de tabaco, que também se baseia na ciência disjuntora-redutora, mas com estratégia corporativa, lucrativa, etc. Agora, durante a pandemia, confundem-se discursos (ou representações sociais) disjuntores-redutores que partem da indústria biomédica ou de biólogos, infectologistas, etc (discursos dominantes na mídia) com outros discursos que partem de diagnósticos médicos, clínicos, observacionais, que estão nos hospitais, elaborando protocolos de tratamento para diferentes perfis de pacientes Covid 19. Há protocolos (configuração de exames, laboratoriais, clínicos, uso de diferentes remédios, doses, etc). que têm mais sucesso que outros. Daí os diferentes resultados nos índices de cura de pacientes internados.


Observei, por exemplo, que Itajaí em 02 de julho estava com a taxa de letalidade de 1,88% e a taxa de cura era 83,4%. Esta última era bem alta, mas assim mesmo estava crescendo muito o número de mortes (38) considerando as outras variáveis (internas e externas aos hospitais). Em Itajaí sabe-se quantos contagiados há (estimativa) em cada bairro, etc. O que os médicos estão fazendo lá parece convencional e mesmo assim não está funcionando o suficiente. Como ficará a situação até chegarem as vacinas, se é que chegarão com eficiência comprovada? A história não é feita de probabilidades, mas de improbabilidades. O que é histórico é o que rompe as probabilidades. Estas são projeções lineares, abstratas. Bill Gates conseguiu prever que seria provável uma grande contaminação por vírus como essa, que provavelmente não será a última, dado que a crise civilizatória tem colocado todos os sistemas maiores (político, econômico e cultural) contra o sistema biofísico, pressionando este último (o que representa em suma o chamado antropoceno). O vírus é uma resposta à nossa falta de consciência de espécie e intromissão nos ecossistemas de outras espécies.


Mas quero chamar a atenção de que os médicos, diferentemente dos biólogos convencionais e analistas de laboratório, etc, fazem sua ciência com arte (tanto quanto podem, seguindo os critérios de Hipócrates, Esculápio, etc), baseados tanto em diagnósticos laboratoriais (exames de imagens, etc) quanto clínicos (dosagem de remédios para amenizar o sofrimento dos pacientes, etc). A ciência disjutora-redutora tem base positivista, cartesiana, mecanicista, materialista. A racionalidade desta é limitada, é instrumental e funcional ao sistema industrial-capitalista. Está cheia de luzes, mas também de sombras, cheia de acertos, mas também de erros. Recentemente a prestigiada revista Lancet cometeu um erro grave relacionado à Covid 19 (ver a propósito matéria do Nexo Jornal: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2020/06/05/O-impacto-do-erro-da-Lancet-segundo-esta-editora-cient%C3%ADfica ).


Uma boa política pública na área da saúde em tempos de pandemia devia basear-se em comitês transdisciplinares, com especialistas de diversas áreas,como fez o governo da Alemanha, que formou um comitê de 27 cientistas, não apenas das ciências ditas "exatas" (termo que remete a um mito desde o princípio de incerteza de Werner Heisenberg, na década de 1920). Os governos estaduais e municipais, assim bem assessorados, poderiam ampliar seus horizontes. Poderiam acompanhar de perto os casos de sucesso na aplicação de diferentes protocolos, considerando as condições geográficas, o número de leitos de UTI, o número de testes por bairro, etc. Pesquisas qualitativas deveriam ser tão valorizadas quanto as quantitativas, que são facilmente manipuladas, servindo a políticas cognitivas, como diria o velho Guerreiro Ramos. Uma ciência transdisciplinar, tão complexa quanto possível, em tempos de pandemia, não ficaria esperando ordens superiores da OMS, apenas, nem da indústria biomédica. Aplicaria o método da observação participante e não participante, incluindo na medida do possível etnografia sobre as incríveis jornadas diárias dos médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras. Os casos de protocolo de sucesso seriam comunicados a outras cidades e equipes, para se construir, assim, políticas públicas mais responsáveis, com ciência e arte.




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